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segunda-feira, março 16, 2009

Um retrato da comunicação social

Conheci o João Mesquita na extinta A Capital. Durante um a dois anos trabalhámos na mesma redacção, mas falávamos raramente. Mais tarde, passou a ser meu editor, cargo que só aceitou com a condição de o jornal regularizar a situação precária dos jornalistas da editoria. Não chegou a aquecer o lugar (um mês no cargo) e nesse pouco tempo conheci alguém rigoroso e que percebia imenso de jornalismo, com conselhos úteis e quase professorais na revisão de um trabalho.
Depois dessa época, continuámos a encontrar-nos regularmente, mesmo que não falássemos muito um com o outro. Não éramos amigos do peito, mas gostava do Mesquita. Era um tipo impecável, inteligente, culto, sábio, bem disposto e com quem valia a pena falar.

Estar com o João Mesquita e falar de trabalho era, no entanto, constrangedor. Ele nunca se queixava, nem passava os dias a lamentar-se da vida e da profissão, mas era difícil ignorarmos a realidade. Óptimo e experiente jornalista, com tudo e mais alguma coisa para ensinar, o Mesquita continuava ano após ano desempregado. E todos sabíamos (incluindo o próprio) que dificilmente voltaria ao seu ´habitat` natural - uma redacção.
O seu longo ´testamento` de vida está publicado na internet (aqui), foi feito há dois anos num projecto de investigação académica sobre o "Perfil Sociológico do Jornalista Português" e vale a pena ser lido com muita atenção: no meio de uma análise serena e certeira do jornalismo português (concordo com praticamente tudo), vai-se contando uma parte da sua própria história:

«João Mesquita é também exemplo do jornalista qualificado e experiente que as redacções portuguesas menosprezam. Aos 49 anos e meio, à data da entrevista, carrega mais de três anos de desemprego e, como admite, vê poucas possibilidades de voltar a uma redacção».
«Outubro de 2003. João Mesquita fica desempregado mais uma vez. Três anos e meio depois, à data desta entrevista, em Janeiro de 2007, mantém-se desempregado. Já se esgotou o período do subsídio de desemprego e está a viver do subsídio social, 300 e poucos euros por mês, e de uma ou outra colaboração, “cada vez menos e pior pagas”».


Ironia das ironias, o Mesquita morre (sem emprego, com as tais "colaborações") e recebe inúmeros, rasgados e merecidos (mas certamente tardios) elogios: muitos amigos e admiradores sinceros; directores de jornais de referência (aqui e aqui); um voto de pesar aprovado por unanimidade na Assembleia da República (aqui); e o elogio do ministro dos Assuntos Parlamentares, com a pasta da comunicação social (aqui).
Alguns dos adjectivos usados pelas ilustres figuras: "íntegro", "rigoroso", "competente", "frontal", "bom e sólido jornalista", "um dos homens mais sérios" e de “carácter” que "nunca fez mal a ninguém", cujo exemplo deve “perdurar e inspirar os colegas”. Por tudo isto o João Mesquita era e é um símbolo? Sim!, mas não só: o Mesquita é a imagem do estado do jornalismo português.
Obrigado por tudo e por nos ajudares a colocar a questão: Vale a pena ser uma excelente pessoa e um bom jornalista?

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

GRANDE GUEDES, acho o teu post resume tudo e toca na ferida. Se o camarada Mesquita era tão bom, porque não tinha lugar numa redacção???

BHS

9:25 da tarde  
Blogger Ana Clara said...

O exemplo do João envergonha toda a classe de que fazemos parte. Políticos e directores de jornais apenas reconhecem a verdade mas nada fazem para a pôr em prática. São às centenas os Mesquitas que por aí andam.

5:20 da tarde  

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