Pós-materialismo na casa de banho

Tentando resumir, nós, no mundo desenvolvido, já temos há vários anos as nossas necessidades básicas satisfeitas. Existem, obviamente, excepções, mas de uma forma geral, praticamente todos (bem ou mal) temos comida na mesa, cama para dormir e um sistema de saúde (comparativamente) bastante razoável.
Com todas estas necessidades básicas satisfeitas e enraizadas sobretudo nas mentes dos mais novos que nunca passaram por dificuldades realmente severas, as pessoas (nós) começam a preocupar-se com coisas que, numa análise crua de quem passa fome, se podem chamar supérfluas – ambiente; direitos; liberdades individuais; cidadania…
Em Portugal, estes valores, a que Inglehart (o autor da peregrina ideia) chamou de pós-materialistas, estão, naturalmente, menos enraizados do que noutras sociedades ocidentais (apenas um de vários estudos sobre o assunto, aqui). As razões são lógicas: desenvolvemo-nos mais tarde e continuamos alguns passos atrás daqueles países desenvolvidos com que nos costumamos comparar.
Estas “novas” prioridades ajudam a explicar o nascimento do Bloco de Esquerda no final da década de 1990, mas podem estar em regressão com a crise nacional persistente dos últimos anos.
Tudo isto para dizer que há hoje nas estradas um exemplo extremo de pós-materialismo na sociedade portuguesa. Um cartaz publicitário que quase me fez parar o carro e ficar parvo de boca aberta a olhar para os novos rolos de papel higiénico da Renova - empresa nacional que já nos tinha presenteado há anos com umas folhas de papel higiénico preto.
Citando o texto promocional, “nenhum rolo da mesma embalagem é igual ao outro” e distingue-se “facilmente dos habituais rolos de papel branco ou decorados com padrões monótonos” (aqui).
Já não basta limpá-lo. É preciso limpá-lo com classe.
Etiquetas: política, Portugal, publicidade, sociedade
1 Comments:
Olhar a realidade com uma boa pitada de crítica e humor faz muito bem a saúde eheh. Parabéns pelo texto.
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