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domingo, setembro 10, 2006

Fronteira franco-suiça: à volta dos glaciares

Tenho defeitos. Muitos, eventualmente. Um deles – ou talvez um conjunto –, passa pela mania de que consigo ver tudo ou chegar a todo o lado em tempo mais que recorde.
De perto, queria ver um glaciar. No dia anterior, tinha feito figura de urso a perguntar a um revisor croata para saber em que dia do mês e da semana estávamos. Como quem vê desaparecer uma agulha, tinha perdido um dia no meu calendário de viagem. Já tinha trocado dinheiro para dormir em Zagreb, mas abandonei a ideia. No mesmo dia, e sabendo que se o fizesse passaria 12 noites seguidas a dormir em comboios até chegar a Lisboa, abandonei a cidade. Saltei a Eslovénia (onde queria ver umas paisagens que me tinham escapado há quatro anos) e passei (quase sem saber) pela Áustria. De manhã, estava em Zurique.
Os glaciares não estavam no meu roteiro de viagem. Há um ano, eram um objectivo, mas apenas consegui vê-los ao longe nos fiordes da Noruega. Olhei para o meu livro/guia de comboios europeus e procurei a pequena localidade Suiça onde tinha assinalado existir o maior glaciar da Europa. Cheguei a uma das muitas bilheteiras e confirmei se o sítio estava certo. Era ali. Em duas horas cheguei a Brig. Fui às informações turísticas, revi as fotos que já tinha visto e percebi como se chegava lá. Explicaram-me que o podia ver ao longe, em vários pontos, pagando um balúrdio pelos teleféricos, mas não me podia aproximar. Desisti.
Em alternativa, parti para os Alpes franceses, onde tinha descoberto existir outro glaciar: “Mar de Glace”, o segundo maior do velho continente, mas onde se podia tocar e entrar, numa caverna escavada no início de todas as primaveras. Pelo meio, sem querer, na fronteira entre a Suiça e a França, fiz um percurso num comboio turístico pelo meio dos Alpes, com vista para vários glaciares.
Às 4 da tarde estava em Chamonix. Por 5 minutos, perdi o último mini-comboio que subia e permitia ter tempo para entrar na caverna de gelo. Havia outro, mas só me permitia estar meia hora lá em cima. Podia dormir na cidade e ir no dia seguinte, mas não sabia se tinha sítio onde ficar e perdia a hipótese de ver outra coisa “encravada” na minha agenda há um ano: o Monte St. Michel. Paguei os 16 euros pedidos e subi. Lá em cima, percebi que tinha de descer para tocar no gelo. Rapidamente, comecei a andar, olhando para o relógio e contando o tempo. A meio, desisti e percebi que tinha de voltar para traz se não quisesse perder a viagem de regresso. Em linha recta, sem ser pelos caminhos tortuosos do monte, fiquei a 20 metros do glaciar.
Voltei para baixo, percebendo, a meio, que era possível ter voltado a pé, numa caminhada de umas duas horas, para a qual tinha tempo e vontade, mas que não podia realizar: tinha a mala na estação que iria fechar pouco depois.
Frustrado, fiz a reserva para sair de Chamonix. Tinha duas horas livres. Olhei à volta e vi que um dos vários glaciares que rodeiam a cidade parecia estar perto. Não era tão grande como o Mar de Glace, mas tinha um formato mais interessante, acabando no meio de árvores e como se um qualquer herói com poderes sobrenaturais o tivesse congelado instantaneamente a meio de uma torrente de água que a toda a velocidade descia sobre Chamonix.
Comecei a andar. Uma hora depois, voltaria para trás, alcançasse ou não o glaciar. A meio, no meu macarrónico francês, perguntei a uma mulher com um ar entre o louco e a bruxa, que passeava dois cães pretos, como podia chegar lá acima.
“Oh, oh!!”, exclamou: logicamente, a subida em linha recta era impossível. Continuei a andar. A meio, larguei a mochila no meio do mato. Chegou a hora marcada para voltar para trás, e o des Bossons (descobri ser esse o seu nome) continuava longe. Pouco depois, no meio das árvores e ao lado de uma cascata que suspeito vir das águas do glaciar, admiti a derrota e voltei para a estação a correr. Já no comboio, percebi que metade do caminho que fiz podia ser evitado se entrasse duas estações à frente.
Os glaciares ganharam? Não! Como o aquecimento global que os vai derretendo, apenas conseguiram algum tempo até ao dia em que volte a visitar com calma os Alpes e pôr a mão em meia-dúzia destes pedaços de gelo gigantes.


















Monte S. Michel: no meio do estuário































Nantes: à espera na feira
S. Sebastian: praia

«Sud Express: só couchetes, 27 euros. Chulos.» Mais ou menos, era isto que dizia a mensagem que o Edgar me mandou para o telemóvel. «Não pago», foi, resumidamente, a minha resposta.
O Edgar é um tipo muito organizado. Há uma semana que estava sozinho, mas tinha sido ele que me acompanhara antes pela Itália, Grécia e Turquia, com uma bola laranja de plástico de putos napolitanos (e portugueses dos anos 80), comprada para nos entretermos nas horas perdidas à espera de comboios.
Precavendo-se, o Edgar resolveu fazer a reserva para voltar a Portugal dias antes da viagem. Mas os 27 euros eram um roubo e eu recusava-me a pagar pelo meu último comboio destas viagens mensais pela Europa mais do que alguma vez tinha gasto por uma cama em qualquer cidade. E tinha um dia inteiro de avanço para queimar caminho em Espanha.
O comboio partia às 10 da noite da fronteira entre Espanha e França. No dia anterior, às 7 da manhã, já estava em San Sebastian. Mas Portugal fica longe e será, provavelmente, o país mais deslocalizado do centro da Europa. Não apenas pela distância, pela geografia, mas também pelos transportes.
Para sair de Portugal em direcção à Europa (onde nunca parece que estamos), há que passar por Espanha e França. Por muito que não se goste de espanhóis ou se deteste a língua francesa, é inevitável.
De comboio, só há uma forma de ultrapassar directamente de Portugal para França: Sud Express. Depois, para passar a fronteira espanhola até território nacional, há mais duas alternativas: Madrid-Lisboa ou Vigo-Porto. É ainda possível ir até Huelva e apanhar um autocarro até Vila Real de Santo António, ou fazer o mesmo de Badajoz para Elvas.
Há quatro anos, com a prodigiosa ajuda dos horários dos comboios europeus compilados no genial Tomas Cook timetable, numa louca (e quentíssima) viagem pela Estremadura espanhola com chegada a uma estação de Elvas deserta, segui o último percurso e consegui evitar a brutalidade de suplementos pedidos pelos espanhóis para vir directamente de Madrid para Lisboa.
A hipótese Huelva, com entrada pelo Algarve, agradava-me. Nunca tinha feito a viagem de comboio pela costa sul portuguesa e há muito que queria experimentar. A entrada pelo Minho também parecia interessante. Em qualquer caso, perderia um dia inteiro enfiado em comboios espanhóis, para ter de dormir algures pela fronteira, à espera de um comboio que só apareceria no dia seguinte.
Em Espanha, percebi que o Edgar tinha sido enganado. Havia mais de 200 vagas no Sud Express para lugares sentados e apenas tinha de pagar os habituais (mas também caros) 12 euros. Paguei e passei o último dia a fazer algo de novo nestas viagens: farto de ver cidades, igrejas e catedrais, fiquei de manhã até ao fim da tarde na praia de San Sebastian, aos saltos para a água na baia em forma de concha que banha a cidade.

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3 Comments:

Blogger El-Gee said...

Gostei imenso deste post. Deste relato. Pequenas e simples estórias que levamos connosco desta vida para a próxima..

10:17 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

já pensou em escrever um livro sobre as suas viagens? encontrei sem procurar o seu blog e adorei-o ler!

9:20 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

oi adorei seu relato de viajem,já agora poderia me dizer o nome exacto da cidade francesa que faz fronteira com a suiça?é que vou dar uma voltinha tambem..e quero ir no sitio exacto que faz a fronteira entre esses dois paises..Obrigada.
scheilafashion@hotmail.com esse é meu email se puderes me responder..

scheila batista

9:08 da manhã  

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