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sexta-feira, outubro 03, 2008

China: Um país, dois sistemas, vários mundos

Mil trezentos e trinta milhões de pessoas. O número é importante para perceber a dimensão. O próprio governo admite: a China tem gente a mais.
Comparar países é também por isto uma tarefa ingrata. Escolher uma imagem ou opinião para ilustrar um país-continente é no mínimo difícil. Podíamos começar pelos monumentos que ocupam postais; passar pela fabulosa arquitectura dos jogos olímpicos de Pequim; ou ir aos arranha-céus de Shanghai. Mas essa seria apenas uma pequena face da medalha.
A China parece demasiadas vezes um país sem espaço, apesar do território enorme, com transportes lotados e cidades cheias de gente que invadem as ruas. Num país com mais população do que a União Europeia, Estados Unidos e Rússia juntos, as migrações internas levam milhões dos campos para as cidades, onde o rendimento médio se multiplica por três.
A economia cresce e cria toda uma classe média que procura imitar muito do que vem de fora. A China continua diferente do “nosso” mundo, mas está cada vez mais parecida.
O cenário varia conforme a região que se visita, mas ser Ocidental na China é sinal de ser diferente: nas zonas mais distantes sinto-me a última atracção do zoo.
Em Yushu, a 16 horas da cidade grande mais próxima em que o único transporte é um estranho autocarro com camas, olham-nos com a estranheza de quem vê algo pela primeira vez: analisam, saúdam, intrometem-se ostensivamente no meio, procurando perceber o que lemos ou escrevemos sem pudor ou descrição.
Num país, a China reúne várias realidades. À margem da (formal) região autónoma do Tibete, onde os estrangeiros só entram com demasiada (e cara) dificuldade, Yushu é quase toda ocupada por estranhos tibetanos. Vestidos de monges ou com roupas no mínimo extravagantes, tentam resistir à invasão da maioria chinesa que coloniza um território difícil num enorme planalto a mais de 4 mil metros de altitude, onde a dor de cabeça é uma constante para quem chega de terras mais baixas.
Na China, a etnia maioritária Han representa mais de 90 por cento da população – dominam o governo, a economia e tentam controlar as minorias que reúnem mais de 100 milhões de pessoas.
O Estado está sempre presente. Pelo menos 12 canais públicos apresentam uma informação num tom que sistematicamente parece demasiado positivo.
Os Jogos Olímpicos tentaram limpar a imagem da China no Mundo. Cá dentro, parecem ser uma espécie de lavagem cerebral contínua que quatro semanas depois do fim da competição contínua a entupir os écrans de televisão com os triunfos chineses nas provas.
Para consumo interno ou externo, a imagem parece ser um factor fundamental. Na TV surgem ocidentais a elogiar um país onde a liberdade não existe nem está na ordem do dia. Com ou sem ela, e mesmo limitados pelo Estado até na hora da reprodução (não encontrei um único casal com mais de um filho), os chineses parecem felizes. Existe muita pobreza, ainda..., mas a economia e as notas com a inevitável cara de Mao Tse Tung impressa crescem nos bolsos de quem se habituou a ter muito pouco.
Num país de contrastes, a inacreditável arquitectura de Pequim ou Shanghai convive com casas de banho públicas feitas de um buraco de cimento com pirâmides castanhas no fundo.
O cão contínua a ser uma iguaria nalguns restaurantes. Perto, outros são mimados como se fossem crianças, com rabo e orelhas pintados às cores.


China de A a Z
Cães: Comem-se, tal como os gatos, mas muitos já são animal de companhia. Espero não ter comido nenhum... mas não posso ter a certeza.

Caracteres: Quase sempre apenas chineses. Artísticos e bonitos, mas imperceptíveis.

Comida: Uma dor de cabeça. Os restaurantes chineses no estrangeiro são uma fábula para crianças: puro marketing para ocidental comer.
O sabor é quase sempre picante. A carne é por norma gordura. A comunicação com quem serve é quase impossível. Aos poucos percebemos os truques de uma alimentação que até pode ser boa.

Comunismo: Uma utopia, substituída aos poucos por um forte nacionalismo chinês. A frase de Deng Xiaoping pintada numa parede perto de Hangzou diz quase tudo: "Development is the only truth".

Desigualdades: Gritantes e visíveis. Entre muito pobres e muito ricos. Entre campo e grandes cidades.

Estado: Omnipresente em tudo, desde a barriga das mulheres aos hotéis e zonas vedadas a estrangeiros. Ficam livres algumas zonas do planalto tibetano cheio de iaques e simpáticos monges que oferecem boleia para sítios que não sabemos bem onde.

Imprensa: Não queiram ser jornalistas na China. Se no Ocidente o “mau” é ostensivamente notícia com demasiada frequência, sob a bandeira vermelha impera o jornalismo “positivo”. Dizer bem e mostrar obra é a norma.

Inglês: Raramente falam, nem nos sítios mais turísticos. E quando falam, falam muito, muito mal, e apenas conhecem as palavras básicas para a profissão. Mas tentam e esforçam-se.

Língua: Num país enorme, com uma cultura própria e uma língua dominante, é quase inútil falar (e perceber) outro idioma além dos já milhares de complexos caracteres chineses. Gestos e um óptimo guia de viagem minoram um problema que, apesar de por vezes desesperante, não deixa de ser cómico. Se falássemos todos o mesmo, o Mundo não tinha tanta piada.

Leite: Sim, bebi! Vários litros. E não estou preocupado. Daqui a uns anos já tenho quem culpar quando tiver pedras nos rins.

Preços: Com 35 euros por dia dorme-se, come-se e fazem-se viagens longas. A China é definitivamente um país barato, onde almoçar (bem ou mal, depende da sorte) pode custar um euro.

Portugal: A maioria nunca ouviu falar, ouve a palavra com estranheza e com sorte conhece Espanha. Aprendam uma palavra que pode ser útil. Mais de um quinto da população mundial identifica Portugal como “ táo ”.

Tamanho: Os chineses continuam baixos, digo eu, que não tenho moral para falar sobre o tema. Mas estão cada vez mais altos. Não é por acaso que limpam medalhas e têm um dos nomes com mais centímetros da NBA.

Tempo: Um mês é pouco para ver a China. Com horários apertados, bloqueios do Estado a estrangeiros em determinadas zonas mais sensíveis e transportes caóticos (mas eficazes), pode-se ver um terço. Visto o Centro, falta um retracto do Norte e Sul.

Vão eles dominar o Mundo? É um cenário possível e espero não estar cá nesse dia: têm gente (muita e submissa), capacidade de trabalho, organização e vontade. O regime parece assustador para quem está habituado desde que nasceu à liberdade. Mas até existem muitos chineses simpáticos.

Valeu a pena? Com transportes confusos e viagens longuíssimas, um avião cancelado e uma inflamação que afinal era um abcesso que durou uma semana e meia de dores, vale sempre a pena. Tão cedo não volto à China, mas sei que quando voltar vai ser mais parecida com o mundo onde vivo. E isso não me agrada.

PS. Faltam fotos.

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