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sexta-feira, outubro 14, 2005

Como se reconhece um português?

Fim de tarde agitado em Berna, Suiça. Faço tempo para apanhar o próximo comboio para Géneve numa das ruas mais agitadas da cidade. Milhares vão para casa depois de um dia de trabalho. Dois jogam “xadrez de rua”. Uma pequena multidão, maior que a assistência de alguns jogos da SuperLiga (agora Betandwin), vê a partida, dando palpites ou mandando bocas.
Entre os dois jogadores, um chamou-me a atenção. Quase 50 anos, baixo, boné na cabeça, calças e casaco de ganga com uma t-shirt preta e uns sapatos da mesma cor. Cabelo escuro, apesar de já branco, e uma pele escura entre o europeu comum e o norte africano. Um aspecto e andar descontraído, apesar da tensão que se lhe vê na cara devido ao jogo.
Definitivamente, o xadrez não é um desporto tipicamente português. E os emigrantes nacionais andam normalmente em grupos de dois e só se dão entre eles. Mas apesar de só lhe ver sair alemão da boca, para mim, aquele homem era “tuga”.
Meia dúzia de observações depois, a confirmação. Não pela existência daquele instrumento multiusos nacional chamado unha grande do dedo mindinho. Esse, também lá estava, mas só reparei mais tarde. “Um homem difícil de morrer”, de Monte Walsh, era o título do livro que o jogador de xadrez tinha no bolso das calças.

A história anterior não é rara. No dia anterior, de passagem por Viena, apenas pela conjugação da cara, corpo e roupa, reconheci outros dois portugueses. Em Neuschwanstein, Alemanha, depois de uma conversa de um minuto em inglês com um casal sobre indicações para um caminho, comecei a reparar no sotaque típico nacional e na conjugação de tudo aquilo que para quem não é antropólogo será difícil de explicar, mas que se identifica.
Quando o prognóstico falha, o mais normal é estarmos perante um espanhol ou, caso mais raro, um brasileiro. Mas os portugueses têm, apesar das excepções, algo que os distingue, apesar de ser difícil perceber exactamente o quê.
Nunca fui emigrante. O mais próximo que estive foi estes meses de ausência do território nacional, com semanas sem falar a língua de Camões, ouvindo línguas de que se percebe pouco. Sem ser muito tempo, fica uma sensação estranha cada vez que se encontra alguém que fala a nossa língua. Seja velho ou novo, homem ou mulher, uma pessoa interessante ou desinteressante com quem normalmente nunca falaria, e até um brasileiro, é como se durante momentos estivesse de novo em Portugal, sem nunca verdadeiramente o estar.