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sexta-feira, setembro 16, 2011

Crazy India

IC19, mais ou menos 18 horas depois de sair de Deli. Algo soa a estranho: o silêncio; a pacatez dos condutores; ninguém buzina.
Em estradas estreitas e com o que parecem ser poucas ou nenhumas regras, buzinar não é apenas uma forma de protesto. Serve, percebemos aos poucos, para comunicar com os outros condutores. Como quem diz: “estou aqui”; “vê-me”; “quero e vou passar”. Carrinhas e camiões têm o pedido expressamente escrito na traseira: “buzina, por favor!”.
O resultado é uma cacofonia de sons e condutores de autocarro que passam mais de metade das viagens numa barulheira insuportável. Em estradas que parecem ter poucas regras, demasiado estreitas para caber, muitas vezes, poucos mais do que um carro, e veículos a precisar de um merecido descanso na sucata, esta parece ser a melhor forma de evitar acidentes.
Por um lado, há vontade de proibir todos os indianos de conduzir. Por outro, é fascinante a forma como tudo parece funcionar no meio de uma organização que não parece ter qualquer sentido.
A Índia é assim: uma terra onde parece que quase nada funciona, mas onde quase tudo acaba por se fazer, mesmo se por caminhos menos convencionais para quem chega de fora. E é essa diferença que, tapando os ouvidos ou fechando de vez em quando os olhos, pode ser surpreendente.

A pobreza, por aqui, não será estatisticamente tão grave como em África, mas é mais chocante, mais visível, mais exposta no meio das cidades e tem como resultado uma multidão de sem abrigo, pedintes, homens e mulheres claramente sujos que vivem e fazem tudo ao sol ou à chuva.
Noutro extremo, encontramos um pequeno grupo com padrões de vida ocidentais, que fala inglês como se estivesse em Oxford, e usa roupas e telemóveis da moda.


Se eu gostei da Índia? Sim e não. Ainda não tenho a certeza. Sentimentos mistos.
Primeiro, não vimos nada estupidamente deslumbrante, onde se estivesse tão bem que me levasse a dizer: “um dia quero cá voltar”. O mais próximo desse ponto aconteceu no Templo Dourado, em Amristar, e nalgumas zonas coladas aos Himalaias. A partir daí, nada de fenomenal nos passou à frente.
A realidade ficou longe das imagens das promoções turísticas e que passam por uma Índia colorida e limpa. O dia-a-dia é demasiadas vezes sujo, porco, gritantemente pobre. Muitas ruas são verdadeiras lixeiras que alimentam vacas, porcos, cães e alguns humanos.

O que me pode levar, então, a dizer que gostei da Índia? Essencialmente a diferença, o brutal contraste cultural face ao que estou habituado.
Peguemos no exemplo das vacas. Para qualquer ocidental não faz sentido ter um animal tão grande como uma espécie de animal de estimação a quem se dá comida e se deixa a passear durante o dia. Não terá qualquer lógica ter ruas no pára-arranca porque uma vaca decidiu fazer uma sesta, impassível perante os carros que se aproximam.
Na Índia tudo isto tem lógica. É racional. A nossa realidade é que lhes parece absurda. Faz-lhes sentido ter vacas, tal como dar doces às estátuas dos deuses ou venerar imagens que parecem calhaus e ratos que se passeiam num templo que é pouco mais que uma barraca. Tomar banho em rios mais que poluídos é outra virtude, ao lado de atirar lixo para o chão, mijar em qualquer lado, ter carruagens e filas separadas para homens e mulheres, ou deitarem-se e dormirem em qualquer lado. Não choca por um anúncio no jornal para procurar um noivo para a filha dentro da mesma casta. Há quem ganhe a vida a limpar dentes ou ouvidos no meio das ruas por 10 rupias (menos de 20 cêntimos).
É esta diferença que, mesmo sem paisagens deslumbrantes, pode fazer de um dia aborrecido numa cidade mais feia que qualquer subúrbio lisboeta uma experiência que parece única e, acima de tudo, surreal. É esse contraste que pode fazer de uma viagem chata, de quase um dia no comboio, um tempo que no final foi estupidamente educativo pelo comportamentos que se vêem à volta e pelas pessoas interessantes com que, por vezes, se consegue ter uma conversa em que nos explicam um pouco da sua curiosa vida num país que nos parece de loucos.